O sertanejo falando

A fala a nível do sertanejo engana:

as palavras dele vêm, como rebuçadas

(palavras confeito, pílula), na glace

de uma entonação lisa, de adocicada.

Enquanto que sob ela, dura e endurece

o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,

dessa árvore pedrenta (o sertanejo)

incapaz de não se expressar em pedra.

Daí porque o sertanejo fala pouco:

as palavras de pedra ulceram a boca

e no idioma pedra se fala doloroso;

o natural desse idioma fala à força.

Daí também porque ele fala devagar:

tem de pegar as palavras com cuidado,

confeitá-las na língua, rebuçá-las;

pois toma tempo todo esse trabalho.

(João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra. Nova Fronteira, 1996, p. 16.)

Em 27 de outubro de 1973, em entrevista ao jornal carioca O Globo, João Cabral disse:

Eu tentei criar uma outra linguagem, não completamente nova, como os concretistas fizeram, mas uma linguagem que se afastasse um pouco da linguagem usual. Ora, desde o momento em que você se afasta da norma você se faz esta palavra antipática que é “hermético ". Quer dizer, você se faz hermético numa leitura superficial. Agora, se o leitor ler e reler, estudar esse texto, ele verá que a coisa não é tão hermética assim. Apenas está escrito com um pequeno desvio da linguagem usual.

  1. a) Destaque, na terceira estrofe, desvios da linguagem usual vinculados ao emprego das classes de palavra.

  2. b) No último verso da terceira estrofe, também é possível observar um artifício do poeta, que provoca uma releitura. Explique esse artifício.