Suave Mari Magno

Lembra-me que, em certo dia,

Na rua, ao sol de verão,

Envenenado morria

Um pobre cão.

Arfava, espumava e ria,

De um riso espúrio e bufão,

Ventre e pernas sacudia

Na convulsão.

Nenhum, nenhum curioso

Passava, sem se deter,

Silencioso,

Junto ao cão que ia morrer,

Como se lhe desse gozo

Ver padecer.

(Machado de Assis, Obra Completa, vol. III, p. 161.)

Sequência

Eu era pequena. A cozinheira Lizarda

tinha nos levado ao mercado, minha irmã, eu.

Passava um homem com um abacate na mão

e eu inconsciente:

“Ome, me dá esse abacate...”

O homem me entregou a fruta madura.

Minha irmã, de pronto: “vou contar pra mãe que ocê

pediu abacate na rua. ”

Eu voltava trocando as pernas bambas.

Meus medos, crescidos, enormes...

A denúncia confirmada, o auto, a comprovação do delito.

O impulso materno...consequência obscura da

escravidão passada,

o ranço dos castigos corporais.

Eu, aos gritos, esperneando.

O abacate esmagado, pisado, me sujando toda.

Durante muitos anos minha repugnância por esta fruta

trazendo a recordação permanente do castigo cruel.

Sentia, sem definir, a recreação dos que ficaram de fora,

assistentes, acusadores.

Nada mais aprazível no tempo, do que presenciar a

criança indefesa

espernear numa coça de chineladas.

“é pra seu bem, ” diziam, “doutra vez não pedi fruita na rua. ”

(Cora Coralina, Vintém de cobre, p. 131-132.)

Depois de comparar os dois textos:

  1. a) Explicite o que há de comum entre eles.

  2. b) No segundo texto, cite pelo menos três formas de linguagem que refletem a oralidade do Português do Brasil.