Lisbon revisited

Não: não quero nada,
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me

[enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica

[só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário

[de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos,

[a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero

[ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul - o mesmo da minha infância – Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflete!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois

[que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero [estar sozinho!

(PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981, p. 290-1.)

Pela leitura do poema, pode-se dizer que o poeta