Texto I
A língua da união
Com a chegada da família real ao Brasil, há duzentos anos, o idioma português se torna símbolo de unidade, mas não deixa de exprimir a diversidade da sua formação.
(17) Mais do que o sistema de signos dos linguistas, mais do que o conjunto de regras e vocábulos dos gramáticos, uma língua, para os que vivem imersos nela (18), é toda uma forma de estar no mundo. Quando a família real portuguesa concluiu sua aventurosa travessia atlântica e desembarcou no Rio de Janeiro, em 08 de março de 1808, trazia consigo (19) costumes e uma tradição que não se exprimiam apenas em roupas elaboradas, rapapés (02) cansativos ou cerimônias suntuosas (03). (15) Era antes (01) na ponta da língua que Portugal, abandonado às pressas, ainda se manifestava, de forma mais corriqueira (04)(16) e insistente, do lado de cá do oceano.
(09) Quando a família real portuguesa chega ao Rio, (24) o português já era uma língua vitoriosa (08) no Brasil Colônia (10)(25). Mesmo assim o impacto causado pela presença da corte é tão grande que a língua portuguesa mestiça falada no Brasil passa por um momento decisivo. A grande novidade é a palavra escrita, cuja circulação no Brasil ganha um grande impulso com a criação da Imprensa Régia. Dom João também transfere para cá sua Real Biblioteca, (22) hoje Biblioteca Nacional, importante símbolo de poder (23). Em 1808, o Rio se torna um caldeirão social e cultural: cerca de 15 mil portugueses desembarcam em pouco tempo, fugidos das tropas de Napoleão, e (11) outros tantos estrangeiros vêm à cidade devido à abertura dos portos (12). A língua, falada e escrita, reflete toda essa efervescência (05).
O Rio se torna capital imperial, centro de poder e prestígio, (13) e o brasileiro não é mais um colonizado a falar a língua do dominador (14). A presença da nobreza conferiu à vida carioca (20) caráter modelar (21). Entre os códigos de elegância a serem copiados, a língua era tão importante quanto as maneiras e os penteados.
A corte traz novos comportamentos, outra forma de servir à mesa, de se vestir, novos costumes. Acaba-se com a reclusão (06) das mulheres, que saem e fazem compras. Passa a ser elegante falar como se falava na corte - diz o embaixador, escritor e acadêmico Alberto da Costa e Silva, que preside a comissão de comemoração do bicentenário organizado pela Prefeitura. - Houve um contágio do modo de pronunciar o português metropolitano sobre as classes mais altas, teoricamente privilegiadas, do Rio de Janeiro. Um contágio que não poderia deixar de propagar-se pelas outras partes da população, que procuravam seguir, como sempre acontece, as normas da elite. Mas o diálogo ocorre nos dois sentidos. Da mesma maneira, algumas formas do português local, desse português inchado de expressões indígenas e africanas, também passam da massa para a elite.
Maria de Lourdes Parreira Horta, diretora do museu Imperial, considera que o impacto da mudança da corte sobre a língua deveria ser mais estudado.
“A principal bagagem que trazem de Lisboa é a linguagem, (26) esse português castiço (07) distinto do que era falado aqui 27). Se considerarmos que a linguagem é estruturante do pensamento, a importância da presença portuguesa fica mais clara” - diz.
(O Globo, 21 de março de 2008/ Adaptação)
Texto II
Língua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(Olavo Bilac. Poesia. Rio de Janeiro, Agir, 1976.p,86.)
1. Resíduo inaproveitável de um minério
2. Instrumento musical de sopro, semelhante à trombeta
3. Som forte, como o da trombeta
4. Instrumento musical de cordas
5. Som de trovão ou de canhão
6. Tempestade marítima
7. Canto para adormecer criança
Texto III
Língua
Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões.
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões.
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa.
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade.
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixa os portugais morrerem à míngua,
“Minha pátria é minha língua”
- Fala, Mangueira!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
(Caetano Veloso, Velô, 1984.)
Marque a opção cuja substituição das palavras destacadas está de acordo com a norma padrão, bem como preserva a ideia do texto original.