Texto III

O trecho a seguir foi retirado de um diálogo entre Gilberto Dimenstein e Rubem Alves.

A caixa e o brinquedo

Gilberto Dimenstein — (...). Para mim, a escola foi um problema durante toda a minha vida escolar. Não houve um único ano em que a escola tenha sido estimulante e fonte de realização. Então, acabei desenvolvendo algumas defesas para tentar me proteger. Uma delas foi uma dicção péssima: as pessoas não entendiam direito o que eu falava. A outra era a minha letra. Até hoje eu não entendo a minha letra. Precisaria ter um tradutor para a minha letra. Ir à escola, para mim, era um processo doloroso. Não conseguia 10 aprender. (...). Então você imagina o que esperavam de mim. Era um peso grande. Ao mesmo tempo, além do problema de déficit de atenção, havia sintomas de hiperatividade — naquela época não se sabia o que era isso — eu ainda babava. Já adulto, fazendo terapia, detectou-se um grau agudo de ansiedade, a sensação permanente de urgência, de emergência, como se estivesse sempre correndo perigo. O ansioso vive acuado, numa guerra particular. Defendia-me no desligamento. Meu apelido era Gil Babão. A família me dá o nome de Salomão e na escola me chamavam de Gil Babão. Eu não aprendia, não entendia a minha letra, não conseguia reter nada. Lembro-me de que, na minha infância, eu estudava numa rua chamada Madre Cabrini. Naquele tempo, as janelas da escola eram muito grandes e as ruas eram um teatro — não como são hoje as ruas de São Paulo, tomadas pelos carros, sem calçadas. Tinha o sujeito que vinha com a matraca, vendendo biju; tinha o padeiro que trazia o cheiro do pão e a beleza de seus arranjos na perua. Tinha o sujeito da gaita, que vinha consertar a panela; tinha o leiteiro. A escola era desconectada de tudo isso. Eu não conseguia ficar parado em sala de aula. Tentava ter caderno, mas não conseguia manejar a ideia de ter um caderno. Então, matemática era uma tragédia, português era uma tragédia, todas as matérias eram uma tragédia. A vida escolar, para mim, era a história de um fracasso. Era como se todo dia alguém me dissesse: Você é um fracasso. Imagine acordar de manhã e alguém dizer assim: Você é um fracasso, você é um fracasso... E isso foi ficando na minha cabeça.

(Alves, Rubem; Dimenstein Gilberto. Fomos maus a/unos.4ed.Campinas: papirus,2003, p.13-7.)

Pode-se afirmar que, para Gilberto Dimenstein,