Texto I
A força da linguagem
(...)
(21)Podemos avaliar a força da linguagem tomando como exemplo os mitos e as religiões(22).
A palavra grega mythos, como já vimos, significa “narrativa” e, portanto, “linguagem”. Trata-se da palavra que narra a origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas (o fogo, a agricultura, a caça, a pesca, o artesanato, a guerra) e da vida do grupo social ou da comunidade. Pronunciados em momentos especiais - os momentos sagrados ou de relação com o sagrado -, os mitos são mais do que uma simples narrativa(40); são a maneira pela qual, através das palavras, os seres humanos organizam a realidade(38) e a interpretam(39).
O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são ditas ou pronunciadas. (31)O melhor exemplo dessa força criadora da palavra encontra-se na abertura da Gênese, na Bíblia judeu-cristã, em que Deus cria o mundo do nada, apenas usando a linguagem(32): “E Deus disse: faça-se!”, e foi feito. (01)Porque Ele disse, foi feito. A palavra divina é uma força criadora(02).
Também vemos a força realizadora ou concretizadora da linguagem nas liturgias religiosas. Por exemplo, na missa cristã, o celebrante, pronunciando as palavras “Este é o meu corpo” e “Este é o meu sangue”, realiza o mistério da Eucaristia, isto é, a encarnação de Deus no pão e no vinho.(29)Também (23)nos rituais indígenas e africanos, (03) os deuses e heróis comparecem(24) e se reúnem aos mortais quando invocados pelas palavras corretas, pronunciadas pelo celebrante(04)(30).
(05)A linguagem tem, assim, um poder encantatório, isto é, uma capacidade para reunir o sagrado e o profano(06), trazer os deuses e as forças cósmicas para o meio do mundo, ou, como acontece com os místicos em oração, tem o poder de levar os humanos até o interior do sagrado. (35)(25)Eis por que, em quase todas as religiões, existem profetas e oráculos(26), isto é, pessoas escolhidas pela divindade para transmitir mensagens divinas aos humanos(36).
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(33)(07) Independente (09) de acreditarmos(10) ou não em palavras (15) místicas, mágicas, encantatórias ou tabus(16), o importante é que (13)elas existem(14), pois sua existência revela o poder que atribuímos à linguagem(08)(34). (27) Esse poder decorre (11) do fato(12) de que as palavras são núcleos, sínteses(28) ou feixes de significações, símbolos e valores que determinam(37) o modo como interpretamos as forças (17) divinas, naturais, sociais (19)e políticas (18)(20) e suas relações conosco.
(Marilena Chaui)
Assinale com (V) verdadeiro ou (F) falso as inferências abaixo sobre o Texto I e, em seguida, marque a opção correspondente.
( ) A linguagem transcende seu aspecto funcional de registro da trajetória humana.
( ) Em seu texto, a autora deixa clara a sua visão catolicista do mundo.
( ) A relação entre o homem e a palavra apresenta reciprocidade: ambos atuam um sobre o outro, permutando as funções ativa e passiva.
( ) A história ratifica, desde os primórdios da humanidade, a tese da autora.