TEXTO I

No Asilo

“- Meu filho me deixou aqui, mas ele vem me buscar. É, ele vem me buscar. Não gosto daqui porque é longe, a gente fica sozinha, não tem ônibus. Olha o vestido que eu fiz pra minha neta, olha a coroa, ela vai coroar Nossa Senhora.

- E quando a senhora vai levar essas coisas lindas pra ela?

- Ah, minha filha, não sei. Meu filho vem me buscar. Ele me trouxe só por uns dias. Sabe, tenho um gênio nervoso e minha nora também. Aí...

- Há quantos meses a senhora está aqui?

Faz mais de 12 anos. Desde a outra casa. Lá era bom, porque era dentro da rua.”

(Funarte/Fundação Clóvis Salgado. Fazendo arte em creches e asilos.)

TEXTO II

RETRATO DE VELHO

Tem horror a criança. Solenemente, faz queixa do bisneto, que lhe sumiu com a palha de cigarro, para vingar-se de seus ralhos intempestivos. Menino é bicho ruim, comenta. Ao chegar a avô, era terno e até meloso, mas a idade o torna coriáceo.

No trocar de roupa, atira ao chão as peças usadas. Alguém as recolhe à cesta, para lavar. Ele suspeita que pretendem subtraí-las, vai à cesta, vasculha, retira o que é seu, lava-o, passa-o. Mal, naturalmente.

- Da próxima vez que ele vier, diz a nora, terei de fechar o registro, para evitar que ele desperdice água.

Espanta-se com os direitos concedidos às empregadas. Onde se viu? Isso aqui é o paraíso das criadas. A patroa acorda cedo, para despertar a cozinheira. Ele se levanta mais cedo ainda, e vai acordar a dona da casa:

- Acorda, sua mandriona, o dia já clareou!

As empregadas reagem contra a tirania, despedem-se. E sem empregadas, sua presença ainda é mais terrível.

As netas adolescentes recebem amigos. Um deles, o pintor, foi acometido de mal súbito e teve de deitar-se na cama de uma das garotas. Indignação: Que pouca-vergonha é essa? Esse bandalho aí conspurcando o leito de uma virgem? Ou quem sabe se nem é mais virgem?

- Vovô, o senhor é um monstro!

E é um custo impedir que ele escaramuce o doente para fora de casa.

- A senhora deixa suas filhas irem ao baile sozinhas com rapazes? Diga, a senhora deixa?

- Não vão sozinhas, vão com os rapazes.

- Pior ainda! Muito pior! A obrigação dos pais é acompanhar as filhas a tudo quanto é festa.

- Papai, a gente nem pode entrar lá com as meninas. É coisa de brotos.

- É, não é? Pois me dá depressa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!

Não se sabe o que fazer dele. Que fim se pode dar a velhos implicantes? O jeito é guardá-lo por três meses e deixá- lo ir para outra casa, brigado. Mais três meses, e nova mudança nas mesmas condições. O velho é duro:

- Vocês me deixam esbodegado, vocês são insuportáveis! - queixa-se ao sair. Mas volta.

- Descobri que paciência é uma forma de amor - diz-me uma das filhas, sorrindo.

(Carlos Drummond de Andrade)

Relacione o texto I com o texto II e escreva nas sentenças abaixo V (verdadeira) e F (falsa). A seguir, marque a opção correspondente.

( ) A velhice é o núcleo temático dos dois textos.

( ) Em ambos os casos, os velhos padecem de solidão.

( ) Os dois textos apontam conflitos entre os idosos e seus familiares.

( ) A grande diferença entre os dois casos está na forma de a família reagir ao conflito.