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Palavras sem fronteiras
Muito se combate a penetração de palavras estrangeiras na nossa língua. Se até certo ponto esse combate se justifica, todo radicalismo, como exigir o banimento puro e simples de todo e qualquer termo estrangeiro do idioma, cheira a preconceito xenófobo, fanatismo cego e, mais ainda, ignorância da real dinâmica das línguas.
Antes de lançar ao fogo do inferno tudo o que vem de fora, é preciso tentar compreender sem paixões por que os estrangeirismos existem. Se olharmos atentamente para todas as línguas, veremos que nenhuma tem se mantido pura ao longo dos séculos: intercâmbios comerciais, contatos entre povos, viagens, grandes ondas migratórias, disseminação de fatos culturais, tudo isso tem feito com que as línguas compartilhem palavras e expressões. Até o islandês, que, para muitos, é a língua mais pura do mundo, sem nenhum termo de origem estrangeira, é na verdade um idioma altamente influenciado por línguas mais centrais e hegemônicas. O que ocorre é que o islandês traduz os vocábulos que lhe chegam de fora, usando material nativo. Mas, sendo a Islândia um país bem pouco industrializado e bastante periférico em termos culturais, é natural que seja muito mais um polo atrator do que disseminador de criações culturais - e de palavras. No islandês, os estrangeirismos estão apenas camuflados.
Aliás, a política oficial do país de traduzir todas as palavras estrangeiras beira o ridículo e a esquizofrenia eugenista. Afinal, em viagens pelo mundo, é reconfortante reconhecer vocábulos familiares como "telefone", "hotel", "restaurante", táxi", "hospital", ainda que ligeiramente modificados pela fonética e ortografia do país que visitamos.
Portanto, quando se trata de discutir uma política de proteção do idioma contra uma suposta "invasão bárbara", é preciso, em primeiro lugar, compreender que nenhuma língua natural passa incólume às influências de outras línguas, e que isso, na maioria das vezes, é benéfico tanto para quem exporta quanto para quem importa palavras. Toda língua se vê enriquecida com contribuições externas, que sempre trazem novas visões de mundo, por vezes simplificam a comunicação e, sobretudo, tiram o idioma de uma situação de "autismo" linguístico. Assim como viajar para o exterior é saudável e enriquecedor, acolher em nossa terra influências externas (na culinária, moda, música, tecnologia e, por que não, na língua) tem o mesmo efeito salutar.
Dando por assentada a questão de que o empréstimo de palavra estrangeira é um fenômeno legítimo da dinâmica das línguas e, acima de tudo, inevitável, cabe então distinguir quando um empréstimo é necessário ou não, quando é oportuno ou inoportuno. Afinal, uma coisa é a introdução em nossa sociedade de um novo conceito (por exemplo, uma nova tecnologia, um fato social inédito, uma nova moda) que, por ser originário de outro país, chegue até nós acompanhado do nome que tem na língua de origem. Outra coisa é dar nomes estrangeiros a objetos que já têm nome em português, como chamar "entrega" de delivery ou "salão de beleza" de esthetic center.
Mas será que as lojas estampam sale em lugar de "liquidação" e off em vez de "desconto" por uma pressão da clientela, que só compra nessas lojas se a vitrine estiver em inglês? Ou será que foram os lojistas que inventaram essa moda besta de escrever tudo em inglês? Que me conste, o freguês deseja produtos bons e baratos, pouco importa se eles estejam sendo vendidos com desconto ou off price.
Ou seja, essa história de sale, off e outras patacoadas do gênero parece ser invenção de comerciantes desinformados, que acreditam aumentar os lucros com tais macaquices. O máximo que a maioria dos clientes faz em relação a isso é não fazer nada (ninguém vai deixar de comprar numa loja só porque o letreiro está em inglês). E aí todos nós ficamos com a pecha de bregas, macacos, subservientes ao capitalismo global e toda aquela lengalenga pra lá de conhecida. Mas insisto no ponto de que essa tendência a idolatrar as palavras estrangeiras e usá-las maciçamente para vender surge da indústria e do comércio, não de uma reivindicação dos próprios consumidores. O marketing, braço armado do capitalismo e de sua ética do vale-tudo em busca do lucro, é quem cria nas pessoas o desejo por coisas de que elas efetivamente não precisam.
(BIZZOCCHI, Aldo. Revista Língua Portuguesa, n. 58, agosto 2010 - adaptado.)