Vira-latas compensatórios
O erro que custou a Diego Hypólito uma medalha tida por todos como certa reativou um fantasma recorrente: a crença na vocação do brasileiro para fracassar nos momentos decisivos. Por alguma característica da alma nacional, não seríamos capazes de suportar tal pressão, o que se evidenciaria com particular clareza nas finais esportivas em que somos considerados favoritos.
Uma das razões dessa atitude é sem dúvida de natureza projetiva: os esportistas carregam nos ombros a responsabilidade de "representar a nação". Vencendo, inflam nossa auto-estima e, fazendo-nos crer que somos tão bons quanto os melhores, nos proporcionam uma satisfação narcísica rala, mas de certo modo eficaz; se perderem, confirmam a crença na pouca valia dos nossos conterrâneos e, portanto, de nós mesmos.
O segundo motivo para desprezar os "perdedores" é a inveja, pois jamais chegaremos a realizar nada parecido com as proezas de que são capazes esses jovens. Como a inveja não é um sentimento nobre, negamo-la atribuindo o "fracasso" não às circunstâncias específicas que o provocaram, mas a algo cuja função é nos tornar mais uma vez semelhantes aos que, no fundo, não podemos deixar de admirar - mas agora pelo avesso: se a incapacidade de transformar o favoritismo em realizações é uma trágica fatalidade do caráter brasileiro, então os atletas não podiam mesmo conquistar a almejada vitória.
Para o esporte vale o que escreveu Maquiavel a propósito da política: o sucesso não depende apenas da "virtii", mas também da "fortuna"."Virtii" é o que o combatente traz consigo: seu preparo técnico, seu conhecimento do terreno e do adversário, a qualidade de suas armas. "Fortuna" é o fator imprevisível que favorece um ou outro - a lama no campo de batalha, o erro do oponente, a vara que faltava no estojo de Fabiana Murer.
A contusão de Liu Xiang [China, atletismo] é obra da "fortuna", assim como o imbecil que agarrou Valdemar Cordeiro na maratona de 2004 ou a falha de Diego Hypólito no instante final. "Faço este movimento desde os 12 anos, nunca errei", lamentava-se ele ao rever o filme da prova. Até que um dia... Na mesma entrevista, o ginasta reconheceu onde estava sua fraqueza: "Creio que poderia não ter criado tanta expectativa quanto ao ouro". Ou seja, além da pressão da torcida, o próprio atleta acaba se persuadindo da obrigação de vencer, e isso o perturba no momento decisivo. Por outro lado, a "virtii" contribuiu, e muito, para alguns bons resultados em Pequim. Entre outros exemplos, ressalto o trabalho psicológico com a equipe feminina de vôlei, o cuidado das velejadoras Fernanda Oliveira e Isabel Swan em estudar as condições do lugar em que iriam competir, a equipe multiprofissional de que se cercou a lutadora Natália Falavigna no taekwondo, o apoio dado pela família a César Cielo, a determinação de Ketleyn Quadros e de Maurren Maggi. O que esta escreveu na carta ao seu técnico -"dei duro e estou preparada" - não garantia a vitória, mas sem isso ela jamais chegaria. Contraprova: a "pátria de chuteiras", com muita empáfia e pouco treino, tinha chances remotas contra uma Argentina que se preparou melhor - e merecidamente levou o título.
É tempo de deixarmos de lado o que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-lata". Ao invocar absurdos como a suposta incapacidade nacional para manter a cabeça fria na hora H, não apenas estamos faltando com a verdade - desde a invenção dos esportes modernos, inúmeros brasileiros venceram finais com tranquilidade, assim como outros foram prejudicados pelo nervosismo ou pela arrogância - mas ainda apequenamos o valor de resultados conseguidos com esforço hercúleo, independentemente do metal das medalhas - ou da ausência delas.
(MEZAN, Renato. Folha de S. Paulo. 31 ago. 2008. Mais!, p. 10 - adaptado)
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