“– Cada uma das palavras do filósofo, sobre as quais já agora juram também os santos e os pontífices, viraram de cabeça para baixo a imagem do mundo. Mas ele não chegou a virar de cabeça para baixo a imagem de Deus. Se este livro se tornasse... tivesse se tornado matéria de livre interpretação, teríamos ultrapassado o último limite.

– Mas o que te assustou nesse discurso sobre o riso? Não eliminas o riso eliminando o livro.

– Claro que não. O riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez de nossa carne. É o folguedo para o camponês, a licença para o embriagado, mesmo a igreja em sua sabedoria concedeu o momento da festa, do carnaval, da feira, essa ejaculação diurna que descarrega os humores e retém de outros desejos e de outras ambições... [...] Mas aqui a função do riso é invertida, elevada à arte, abrem-se-lhe as portas do mundo dos doutos. Faz-se dele objeto de filosofia, e de pérfida teologia.”

ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 532.

O texto transcreve um fragmento de diálogo sobre o livro A Poética, escrito pelo filósofo grego Aristóteles. Esse diálogo ocorre no ano de 1327, entre os monges Guilherme de Baskerville e Jorge de Burgos, na antiga biblioteca de um monastério medieval. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a cultura na Idade Média, considere as afirmativas a seguir:

  1. 1) Uma das características da cultura clerical do período medieval era o tom de seriedade, cujo apelo dominante era a ideia de pecado e da necessidade do sofrimento para a redenção do pecador.

  2. 2) O culto ao riso, à alegria e aos prazeres acontecia em algumas festas populares, como, por exemplo, a festa dos loucos e a festa do asno, nas quais as pessoas se permitiam transgressões e excessos.

  3. 3) No medievo, a cultura da Igreja Católica conseguiu eliminar os traços de outras culturas, substituindo assim a cultura pagã pela clerical, constituída pelos textos dos filósofos da Antiguidade.

  4. 4) O fato de a Igreja impedir as transgressões praticadas pelos populares explica a preocupação de um dos monges acerca da divulgação do livro de Aristóteles, o que, segundo ele, significaria o retorno dos folguedos pagãos promovidos pelo povo.

Assinale a alternativa correta.