Causas da infidelidade partidária no Brasil

A infidelidade partidária é uma peculiaridade da política brasileira. Não é raro observar parlamentares migrarem de uma legenda para outra durante o mandato. Entre 1985 e 1998, por exemplo, cerca de 30% dos deputados federais mudaram de sigla ao longo da legislatura. O fenômeno, pouco comum em qualquer democracia, é recente no Brasil. No intervalo entre 1946 e 1964, não houve muitos casos de mudança de partido.

Identificar os motivos da infidelidade partidária foi o objetivo da tese de doutorado de Carlos Ranulfo Félix de Melo, cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A pesquisa, realizada sobretudo junto à Câmara dos Deputados, contou também com outras fontes, como artigos da imprensa. Ranulfo limitou o estudo ao período da democracia recente (entre 1985 e 1998) e constatou duas causas principais para a inconstância dos parlamentares.

Em primeiro lugar, o cientista verificou que a maioria das trocas de legenda tem por trás a busca de maior expressão. "O chamado ’baixo clero’ procede desse modo para ampliar seu poder no estado de origem, adquirir cargos e recursos ou simplesmente prolongar a carreira, pois no Brasil, a renovação da câmara chega a ser de 40%, contra uma média de 5% dos Estados Unidos". Em segundo lugar, a infidelidade interessa aos líderes dos partidos, pois permite que aumentem suas bancadas e, portanto, seu poder. "A tendência é que o partido em voga cresça", constata Ranulfo. O PSDB, por exemplo, começou o ano de 1994 com 62 deputados federais e terminou 1998 com 96.

Ranulfo identifica ainda um outro tipo de político que costuma flutuar entre os partidos: os chamados ’caciques’. Nem sempre se pode ligar uma única legenda a nomes como Jânio Quadros, Itamar Franco, Fernando Collor ou César Maia. Segundo o cientista, o fenômeno é típico da política brasileira, que personaliza a figura do ’salvador da pátria’ em detrimento da linha do partido.

A infidelidade partidária é vista por Ranulfo como prejudicial para o processo democrático. A troca de legenda reflete uma alteração no comportamento do eleito: um político com perfil de ’esquerdista’ que se transfere para uma agremiação de ’direita’ desgasta a significação do partido e enfraquece a representação política.

Para Ranulfo, uma solução possível para o fim da infidelidade partidária poderia ser o uso de mecanismos como o sistema de listas, praticado na Europa. "Mas a alternativa mais simples seria a adoção de uma nova legislação", avalia. A lei poderia, por exemplo, obrigar o deputado a permanecer na mesma legenda até o fim do mandato. Já existe um projeto de lei para combater a infidelidade partidária, que está em trâmite há algum tempo e nunca foi votado. "Evidentemente, por trás disso, há um interesse dos próprios deputados".

(FERREIRA, Pablo Pires. Ciência Hoje, mar. 2001.)

Indique a alternativa em que a expressão entre colchetes pode substituir o trecho destacado, mantendo o mesmo sentido da expressão original.