Texto I
CAPÍTULO CXII
Aqui é que eu quisera ter dado a este livro o método de tantos outros, – velhos todos, – em que a matéria do capítulo era posta no sumário: "De como aconteceu isto assim, e mais assim". Aí está Bernardim Ribeiro; aí estão outros livros gloriosos. Das línguas estranhas, sem querer subir a Cervantes nem a Rabelais, bastavam-me Fielding e Smollet, muitos capítulos dos quais só pelo sumário estão lidos. Pegai em Tom Jones, livro IV, cap. I, lede este título: Contendo cinco folhas de papel. É claro, é simples, não engana a ninguém; são cinco folhas, mais nada, quem não quer não lê, e quem quer lê; para os últimos é que o autor concluiu obsequiosamente: "E agora, sem mais prefácio, vamos ao seguinte capítulo".
CAPÍTULO CXIII
Se tal fosse o método deste livro, eis aqui um título que explicaria tudo: "De como Rubião, satisfeito da emenda feita no artigo, tantas frases compôs e ruminou, que acabou por escrever todos os livros que lera".
Lá haverá leitor a quem só isso não bastasse. Naturalmente, quereria toda a análise da operação mental do nosso homem, sem advertir que, para tanto, não chegariam as cinco folhas de papel de Fielding. Há um abismo entre a primeira frase de que Rubião era co-autor até a autoria de todas as obras lidas por ele; é certo que o que mais lhe custou foi ir da frase ao primeiro livro; – deste em diante a carreira fez-se rápida. Não importa; a análise seria ainda assim longa e fastiosa. O melhor de tudo é deixar só isto; durante alguns minutos, Rubião se teve por autor de muitas obras alheias.
CAPÍTULO CXIV
Ao contrário, não sei se o capítulo que se segue poderia estar todo no título.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. In: _____. Obra completa. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.)
Sobre o texto I, é correto afirmar:
a) Os capítulos acima transcritos exemplificam algumas das características da ficção machadiana em geral, como a narrativa apresentada ao leitor pela voz do próprio protagonista, que se concentra na progressão linear do enredo, de cujos incidentes evita desviar-se no decorrer do romance.
b) Seja quanto à temática, seja quanto aos procedimentos estilísticos nele empregados, Quincas Borba evoca as primeiras obras do autor, contrastando com os demais romances de sua fase madura, como Memórias póstumas de Brás Cubas ou Esaú e Jacó.
c) As alusões a autores clássicos, frequentes nos escritos de Machado de Assis, refletem seu espírito severo e sua atenção aos modelos da mais alta tradição da cultura ocidental, o que afasta seus escritos da vida mundana do Rio de Janeiro do século XIX.
d) Os comentários sobre as técnicas de composição empregadas na construção de seu próprio romance não apenas refletem o considerável grau de consciência do escritor com respeito ao fazer literário, mas também convidam o leitor a tomar consciência de seu papel ativo na "construção" do sentido da obra.
e) No capítulo CXII, o uso da expressão "línguas estranhas", no sentido de línguas estrangeiras, é exemplo da figura de linguagem da ironia, traço recorrente na obra machadiana, que remete ao nacionalismo arraigado do autor.