Me responda, sargento
Dez anos, sargento, apartada do João. Uma tarde, sem se despedir, montou no cavalinho pampa, em dez anos de espera nunca deu notícia. Com a morte do meu velho, que me deixou o sítio, quinze dias atrás lá estava eu, bem quieta, cuidando da casa e da criação, ajudada pelo meu afilhado José, esse anjo de oito aninhos. Quem vai entrando sem bater palma nem pedir licença? Chegou maltrapilho, chapéu na mão me rogou para fazer vida comigo. Mais de espanto que de saudade aceitei, bom ou mau, eu disse, é o meu João.
Nos primeiros dias foi bonzinho, quem não gosta de uma cabeça de homem no travesseiro? Logo começou a beber, não me valia em nada no sítio. Eu saía bem cedo com o menino a lidar na roça, o bichão ficava dormindo. Bocejando de chinelo e desfrutando as regalias, não quer castigar o corpinho, não joga um punhado de milho para as galinhas. Só então, sargento, burra de mim, descobri o mistério: ele voltou por amor da herança. Na primeira semana vendeu o leitão mais gordo do chiqueiro, não me deu satisfação, o sargento viu algum dinheiro? Nem eu.
Ontem chegou bêbado e de óculos escuro, espantou o menino para o terreiro e, fechados no quarto, bradou que eu tinha um amante, o meu afilhado bem que era filho e, antes de contar até três, eu dissesse o nome do pai. Por mais que, de joelho e mão posta, negasse que havia outro homem, por mim o testemunho dos vizinhos, ele me cobriu de palavrão, murro, pontapé. Pegou da espingarda, me bateu com a coronha na cabeça. Obrigou a rezar na hora da morte e pedir louvado. Que eu abrisse a boca, encostou o cano, fez que apertava o gatilho. Não satisfeito, sacou da garrucha, apagou o lampião a bala. Disparou dois tiros na minha direção, só não acertou porque me desviei. Uma bala se enterrou na porta, a outra furou a cortina, em três pedaços a cabeça do São Jorge.
Cansado de reinar, deitou-se vestido e de sapato, que a escrava servisse a janta na cama. Provou uma garfada e atirou o prato, manchando de feijão toda a parede: "Quero outra, esta não prestou”. Deus me acudiu, ao voltar com a bandeja ele roncava espumando pelo dente de ouro. Agarrei meu filho, chorando e rezando corri a noite inteira, ficasse lá no sítio era dona morta. E agora, sargento, que vai ser da minha vida, que é que eu faço?
(Dalton Trevisan. O pássaro de cinco asas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975.)
Lido o texto, observe atentamente cada quesito e assinale somente UMA alternativa correta em cada questão.
No Texto 2, o termo SARGENTO, empregado na frase interrogativa "O sargento viu algum dinheiro?” aponta, na realidade, para