UNESP 2008 Português - Questões

Filtro de Questões

Abrir Opções Avançadas

Filtrar por resolução:

– Mas, enfim, que pretendes fazer agora? perguntou-me Quincas Borba, indo pôr a xícara vazia no parapeito de uma das janelas.

– Não sei; vou meter-me na Tijuca; fugir aos homens. Estou envergonhado, aborrecido. Tantos sonhos, meu caro Borba, tantos sonhos, e não sou nada.

– Nada! interrompeu-me Quincas Borba com um gesto de indignação.

Para distrair-me, convidou-me a sair; saímos para os lados do Engenho Velho. Íamos a pé, filosofando as coisas. Nunca me há de esquecer o benefício desse passeio. A palavra daquele grande homem era o cordial da sabedoria. Disse-me ele que eu não podia fugir ao combate; se me fechavam a tribuna, cumpria-me abrir um jornal. Chegou a usar uma expressão menos elevada, mostrando assim que a língua filosófica podia, uma ou outra vez, retemperarse no calão do povo. Funda um jornal, disse-me ele, e “desmancha toda esta igrejinha”.

– Magnífica ideia! Vou fundar um jornal, vou escachá-los, vou...

– Lutar. Podes escachá-los ou não; o essencial é que lutes. Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.

Daí a pouco demos com uma briga de cães; fato que aos olhos de um homem vulgar não teria valor. Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dois. Notou que ao pé deles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar a minha atenção para a circunstância de que o osso não tinha carne. Um simples osso nu. Os cães mordiam-se, rosnavam, com o furor nos olhos. Quincas Borba meteu a bengala debaixo do braço, e parecia em êxtase.

(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.)

Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia [Humanitas]. Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida, mas, tão acanhada, que os suspiros do namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou.

Foi esse trechozinho de romance que ligou os dois homens.

(...)

Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba - um cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagâncias do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o por dois motivos, um doutrinário, outro particular.

– Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano.

– Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? disse Rubião com o pensamento em um rival político da localidade.

– Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?

Rubião fez um gesto negativo.

- Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e.

O cão, ouvindo o nome, correu à cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quincas Borba.

(Machado de Assis, Quincas Borba.)

Em Quincas Borba, a opção por um enunciador em terceira pessoa, que apenas relata os fatos, difere da solução encontrada por Machado de Assis para Memórias póstumas de Brás Cubas, sua obra anterior, a qual marcara o início do Realismo no Brasil. Transcreva dois exemplos que caracterizam o tipo de enunciador presente em Memórias póstumas, dando explicações resumidas.

– Mas, enfim, que pretendes fazer agora? perguntou-me Quincas Borba, indo pôr a xícara vazia no parapeito de uma das janelas.

– Não sei; vou meter-me na Tijuca; fugir aos homens. Estou envergonhado, aborrecido. Tantos sonhos, meu caro Borba, tantos sonhos, e não sou nada.

– Nada! interrompeu-me Quincas Borba com um gesto de indignação.

Para distrair-me, convidou-me a sair; saímos para os lados do Engenho Velho. Íamos a pé, filosofando as coisas. Nunca me há de esquecer o benefício desse passeio. A palavra daquele grande homem era o cordial da sabedoria. Disse-me ele que eu não podia fugir ao combate; se me fechavam a tribuna, cumpria-me abrir um jornal. Chegou a usar uma expressão menos elevada, mostrando assim que a língua filosófica podia, uma ou outra vez, retemperarse no calão do povo. Funda um jornal, disse-me ele, e “desmancha toda esta igrejinha”.

– Magnífica ideia! Vou fundar um jornal, vou escachá-los, vou...

– Lutar. Podes escachá-los ou não; o essencial é que lutes. Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.

Daí a pouco demos com uma briga de cães; fato que aos olhos de um homem vulgar não teria valor. Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dois. Notou que ao pé deles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar a minha atenção para a circunstância de que o osso não tinha carne. Um simples osso nu. Os cães mordiam-se, rosnavam, com o furor nos olhos. Quincas Borba meteu a bengala debaixo do braço, e parecia em êxtase.

(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.)

Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia [Humanitas]. Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida, mas, tão acanhada, que os suspiros do namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou.

Foi esse trechozinho de romance que ligou os dois homens.

(...)

Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba - um cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagâncias do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o por dois motivos, um doutrinário, outro particular.

– Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano.

– Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? disse Rubião com o pensamento em um rival político da localidade.

– Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?

Rubião fez um gesto negativo.

- Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e.

O cão, ouvindo o nome, correu à cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quincas Borba.

(Machado de Assis, Quincas Borba.)

No trecho transcrito de Memórias póstumas de Brás Cubas, está estampada uma oposição entre o lugar ocupado por Quincas Borba, um filósofo e um “grande homem”, e as pessoas comuns. Comente dois exemplos extraídos do fragmento, pelos quais fica evidente essa distinção, tanto no plano dos fatos quanto no plano linguístico.

– Mas, enfim, que pretendes fazer agora? perguntou-me Quincas Borba, indo pôr a xícara vazia no parapeito de uma das janelas.

– Não sei; vou meter-me na Tijuca; fugir aos homens. Estou envergonhado, aborrecido. Tantos sonhos, meu caro Borba, tantos sonhos, e não sou nada.

– Nada! interrompeu-me Quincas Borba com um gesto de indignação.

Para distrair-me, convidou-me a sair; saímos para os lados do Engenho Velho. Íamos a pé, filosofando as coisas. Nunca me há de esquecer o benefício desse passeio. A palavra daquele grande homem era o cordial da sabedoria. Disse-me ele que eu não podia fugir ao combate; se me fechavam a tribuna, cumpria-me abrir um jornal. Chegou a usar uma expressão menos elevada, mostrando assim que a língua filosófica podia, uma ou outra vez, retemperarse no calão do povo. Funda um jornal, disse-me ele, e “desmancha toda esta igrejinha”.

– Magnífica ideia! Vou fundar um jornal, vou escachá-los, vou...

– Lutar. Podes escachá-los ou não; o essencial é que lutes. Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.

Daí a pouco demos com uma briga de cães; fato que aos olhos de um homem vulgar não teria valor. Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dois. Notou que ao pé deles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar a minha atenção para a circunstância de que o osso não tinha carne. Um simples osso nu. Os cães mordiam-se, rosnavam, com o furor nos olhos. Quincas Borba meteu a bengala debaixo do braço, e parecia em êxtase.

(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.)

Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia [Humanitas]. Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida, mas, tão acanhada, que os suspiros do namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou.

Foi esse trechozinho de romance que ligou os dois homens.

(...)

Rubião achou um rival no coração de Quincas Borba - um cão, um bonito cão, meio tamanho, pêlo cor de chumbo, malhado de preto. Quincas Borba levava-o para toda parte, dormiam no mesmo quarto. De manhã, era o cão que acordava o senhor, trepando ao leito, onde trocavam as primeiras saudações. Uma das extravagâncias do dono foi dar-lhe o seu próprio nome; mas, explicava-o por dois motivos, um doutrinário, outro particular.

– Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano.

– Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? disse Rubião com o pensamento em um rival político da localidade.

– Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?

Rubião fez um gesto negativo.

- Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e.

O cão, ouvindo o nome, correu à cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quincas Borba.

(Machado de Assis, Quincas Borba.)

Em Quincas Borba, as razões para o protagonista dar seu próprio nome ao cachorro de estimação se fundamentam em dois argumentos - um doutrinário e outro particular. Explique em que consiste a primeira razão, tendo em vista os dados fornecidos pelo texto.

A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.

Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.

Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.

Sinha Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: - Vão bulir com a Baleia?

Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.

Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras. (.)

Fabiano percorreu o alpendre, olhando a baraúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra animais invisíveis: - Eco! Eco!

Em seguida entrou na sala, atravessou o corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.

Em Vidas Secas, “bicho” e “gente” se aproximam de tal forma que alguns estudiosos vêem na obra duas características, denominadas antropomorfização e zoomorfização. Transcreva o trecho em que esses processos se manifestam, dando a devida explicação.

A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.

Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa na base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel.

Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito.

Sinha Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: - Vão bulir com a Baleia?

Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.

Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras. (.)

Fabiano percorreu o alpendre, olhando a baraúna e as porteiras, açulando um cão invisível contra animais invisíveis: - Eco! Eco!

Em seguida entrou na sala, atravessou o corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia coçando-se a esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto. A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando, até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela, esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto e levou de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente.

Comparando o segundo e o terceiro parágrafos do fragmento de Vidas Secas, explique a diferença no emprego dos tempos, quando o enunciador opõe formas verbais no pretérito mais-que-perfeito (como imaginara e amarrara-lhe) e no pretérito perfeito (como resolveu, lixou-a e limpou-a).

Carregando...