UNESP 2007 Português - Questões
Abrir Opções Avançadas
Um velho
– Por que empalideces, Solfieri? - A vida é assim. Tu o sabes como eu o sei. O que é o homem? É a escuma que ferve hoje na torrente e amanhã desmaia, alguma coisa de louco e movediço como a vaga, de fatal como o sepulcro! O que é a existência? Na mocidade é o caleidoscópio das ilusões, vive-se então da seiva do futuro. Depois envelhecemos: quando chegamos aos trinta anos e o suor das agonias nos grisalhou os cabelos antes do tempo e murcharam, como nossas faces, as nossas esperanças, oscilamos entre o passado visionário e este amanhã do velho, gelado e ermo - despido como um cadáver que se banha antes de dar à sepultura! Miséria! Loucura!
– Muito bem! Miséria e loucura! - interrompeu uma voz.
O homem que falara era um velho. A fronte se lhe descalvara, e longas e fundas rugas a sulcavam: eram as ondas que o vento da velhice lhe cavara no mar da vida... Sob espessas sobrancelhas grisalhas lampejavam-lhe olhos pardos e um espesso bigode lhe cobria parte dos lábios. Trazia um gibão negro e roto e um manto desbotado, da mesma cor, lhe caía dos ombros.
– Quem és, velho? - perguntou o narrador.
– Passava lá fora, a chuva caía a cântaros, a tempestade era medonha, entrei. Boa noite, senhores! Se houver mais uma taça na vossa mesa, enchei-a até às bordas e beberei convosco.
– Quem és?
– Quem sou? Na verdade fora difícil dizê-lo: corri muito mundo, a cada instante mudando de nome e de vida. (...) - Quem eu sou? Fui um poeta aos vinte anos, um libertino aos trinta - sou um vagabundo sem pátria e sem crenças aos quarenta.
No fragmento de Álvares de Azevedo, cruzam-se as imagens das fases da existência humana e da natureza do oceano. Tendo em vista essa ideia, explicite por que razão o ser humano se assemelha, do ponto de vista do enunciador, à escuma que ferve hoje na torrente e amanhã desmaia.
Um velho
– Por que empalideces, Solfieri? - A vida é assim. Tu o sabes como eu o sei. O que é o homem? É a escuma que ferve hoje na torrente e amanhã desmaia, alguma coisa de louco e movediço como a vaga, de fatal como o sepulcro! O que é a existência? Na mocidade é o caleidoscópio das ilusões, vive-se então da seiva do futuro. Depois envelhecemos: quando chegamos aos trinta anos e o suor das agonias nos grisalhou os cabelos antes do tempo e murcharam, como nossas faces, as nossas esperanças, oscilamos entre o passado visionário e este amanhã do velho, gelado e ermo - despido como um cadáver que se banha antes de dar à sepultura! Miséria! Loucura!
– Muito bem! Miséria e loucura! - interrompeu uma voz.
O homem que falara era um velho. A fronte se lhe descalvara, e longas e fundas rugas a sulcavam: eram as ondas que o vento da velhice lhe cavara no mar da vida... Sob espessas sobrancelhas grisalhas lampejavam-lhe olhos pardos e um espesso bigode lhe cobria parte dos lábios. Trazia um gibão negro e roto e um manto desbotado, da mesma cor, lhe caía dos ombros.
– Quem és, velho? - perguntou o narrador.
– Passava lá fora, a chuva caía a cântaros, a tempestade era medonha, entrei. Boa noite, senhores! Se houver mais uma taça na vossa mesa, enchei-a até às bordas e beberei convosco.
– Quem és?
– Quem sou? Na verdade fora difícil dizê-lo: corri muito mundo, a cada instante mudando de nome e de vida. (...) - Quem eu sou? Fui um poeta aos vinte anos, um libertino aos trinta - sou um vagabundo sem pátria e sem crenças aos quarenta.
A descrição do velho, no texto, evoca a figura do poeta, que ele foi aos vinte anos e que se confunde às vezes com a própria identidade de Álvares de Azevedo, coincidentemente morto aos vinte anos. Sabendo que muitos escritores românticos viveram pouco e tiveram vida boêmia, associe a situação do velho à ideia de morte, nos poetas românticos, apontando três palavras do texto cujo sentido comprove tal relação.
Um velho
– Por que empalideces, Solfieri? - A vida é assim. Tu o sabes como eu o sei. O que é o homem? É a escuma que ferve hoje na torrente e amanhã desmaia, alguma coisa de louco e movediço como a vaga, de fatal como o sepulcro! O que é a existência? Na mocidade é o caleidoscópio das ilusões, vive-se então da seiva do futuro. Depois envelhecemos: quando chegamos aos trinta anos e o suor das agonias nos grisalhou os cabelos antes do tempo e murcharam, como nossas faces, as nossas esperanças, oscilamos entre o passado visionário e este amanhã do velho, gelado e ermo - despido como um cadáver que se banha antes de dar à sepultura! Miséria! Loucura!
– Muito bem! Miséria e loucura! - interrompeu uma voz.
O homem que falara era um velho. A fronte se lhe descalvara, e longas e fundas rugas a sulcavam: eram as ondas que o vento da velhice lhe cavara no mar da vida... Sob espessas sobrancelhas grisalhas lampejavam-lhe olhos pardos e um espesso bigode lhe cobria parte dos lábios. Trazia um gibão negro e roto e um manto desbotado, da mesma cor, lhe caía dos ombros.
– Quem és, velho? - perguntou o narrador.
– Passava lá fora, a chuva caía a cântaros, a tempestade era medonha, entrei. Boa noite, senhores! Se houver mais uma taça na vossa mesa, enchei-a até às bordas e beberei convosco.
– Quem és?
– Quem sou? Na verdade fora difícil dizê-lo: corri muito mundo, a cada instante mudando de nome e de vida. (...) - Quem eu sou? Fui um poeta aos vinte anos, um libertino aos trinta - sou um vagabundo sem pátria e sem crenças aos quarenta.
A linguagem do fragmento, a qual reflete o estilo romântico, caracteriza-se por um léxico típico, às vezes por um tratamento em segunda pessoa e por uma sintaxe peculiar. Com base nessa reflexão, aponte um segmento de Um velho em que há inversão na ordem sujeito-verbo. Reescreva o seguinte trecho, passando o verbo que está no imperativo para a terceira pessoa do plural e fazendo as adequações de concordância necessárias: Se houver mais uma taça na vossa mesa, enchei-a até às bordas e beberei convosco.
A velha contrabandista
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
–Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
–É areia!
Aí quem riu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e lá só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
–Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
–Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
–Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
–O senhor promete que não “espáia”? - quis saber a velhinha.
–Juro - respondeu o fiscal.
–É lambreta.
(Primo Altamirando e Elas.)
Muito próxima do texto oral, a crônica é um gênero que aproveita alguns recursos típicos da fala, como a repetição, para estabelecer a coesão textual. No primeiro parágrafo, por exemplo, a palavra “velhinha” repete-se duas vezes; “lambreta”, três vezes. Pensando ainda nos modos de relacionar as palavras, na frase, especifique outra forma de manter a coesão, empregada também no primeiro parágrafo do texto. Em seguida, explique a diferença de função entre o termo “aí”, ocorrente no terceiro parágrafo, e o mesmo vocábulo, no sexto parágrafo.
A velha contrabandista
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega - tudo malandro velho - começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
–Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
–É areia!
Aí quem riu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e lá só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
–Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
–Mas no saco só tem areia! - insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
–Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
–O senhor promete que não “espáia”? - quis saber a velhinha.
–Juro - respondeu o fiscal.
–É lambreta.
(Primo Altamirando e Elas.)
O texto explora bastante um estilo coloquial, informal, marcado por um uso deliberado de gíria e expressões distensas (tudo malandro velho, muamba, manjo, pra burro, diz que era, pra ela, chateou). Entretanto, em certas passagens, o enunciador emprega um vocabulário mais formal, imprevisível e em contraste com as características gerais do texto. Admitindo essas premissas, identifique um substantivo, usado no texto, que representa essa quebra de expectativa, em virtude de seu caráter mais formal e tenso. Além disso, comente por que o tempo pretérito mais-que-perfeito do verbo “adquirir’ também reflete um emprego inusitado, quando considerado o todo textual.
Carregando...