EPCAR 2020 Português - Questões
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Com base nos textos da prova de Língua Portuguesa e no seu conhecimento de mundo, escreva um texto expositivo ou argumentativo, em prosa, refletindo sobre o problema apresentado no parágrafo a seguir, extraído do texto I:
Drummond certa vez escreveu: “Ao telefone perdeste muito tempo de semear”. Ele é porque não conheceu a internet, que, tanto quanto o celular, usada desregradamente é a grande sorvedora de tempo da pós-modernidade.
* grande sorvedora de tempo: aquela que rouba/toma o tempo.
Texto I
Cadê o papel-carbono?
Outro dia tive saudade do papel carbono. E tive saudade também do mimeógrafo a álcool. E tive saudade da velha máquina de escrever. E tive saudade de quando, no dizer de Rubem Braga, a geladeira era branca e o telefone era preto.
Os mais jovens não sabem nem o que é papel carbono ou mimeógrafo a álcool. Mas tive saudade deles, ou melhor, de um tempo em que eu não dependia eletronicamente de outros para fazer as mínimas tarefas. Uma torneira, por exemplo, era algo simples. Eu sabia abrir uma torneira e fazê-la jorrar água. Hoje tomar um banho é uma peripécia tecnológica. Hoje até para tomar um elevador tenho que inserir um cartão eletrônico para ele se mover. Claro que tem o Google, essa enciclopédia no computador que facilita as pesquisas (para quem não precisa ir fundo nos assuntos), mas muita coisa me intriga: por que cada aparelho de televisão de cada casa, de cada hotel tem um controle remoto diferente e a gente não consegue usá-los sem pedir socorro a alguém?
Olha, tanta tecnologia!...Mas além de não terem descoberto como curar uma simples gripe, os elevadores dos hotéis ainda não chegaram a uma conclusão de como assinalar no mostrador que letra deve indicar a portaria. Será necessária uma medida provisória do presidente para uniformizar tal diversidade analfabética.
Outro dia, li que houve uma reunião em Baku, lá no Azerbaijão, congregando cérebros notáveis para decifrarem nosso presente e nosso futuro. Pois Jean Baudrillard andou dizendo, com aquela facilidade que os franceses têm para fazer frases que parecem filosóficas, que o que caracteriza essa época que está vindo por aí é que o homem, leia-se corretamente homens e mulheres, ou seja, o ser humano, foi descartado pela máquina. (Isso a gente já sabe quando tenta ligar para uma firma qualquer e uma voz eletrônica fica mandando a gente discar isto e aquilo e volta tudo a zero e não obtemos a informação necessária.)
Deste modo estão se cumprindo dois vaticínios. O primeiro era de um vate mesmo – Vinícius de Moraes, que naquele poema “Dia da Criação”, fazendo considerações irônicas sobre o dia de “sábado” e os desígnios divinos, diz: “Na verdade, o homem não era necessário”. É isto, já não somos necessários.
E a outra frase metida nessa encrenca é aquela da Bíblia, que dizia que o “sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”. Isso foi antigamente. Pois achávamos que a máquina havia sido feita para o homem, mas Baudrillard, as companhias aéreas e as telefônicas mais os servidores de informática nos convenceram de que “o homem é que foi feito para a máquina”. Ao telefone só se fala com máquinas, e algumas empresas – esses servidores de informática – nem seus telefones disponibilizam. Estou, por exemplo, há quatro meses tentando falar com alguém no “hotmail” e lá não tem viv’alma, só fantasmas eletrônicos sem rosto e sem voz.
Permita-me, eventual e concreto leitor, lhe fazer uma pergunta indiscreta. Quanto tempo diariamente você está gastando com e-mails? Quanto tempo para apagar o lixo e responder bobagens? Faça a conta, some.
Drummond certa vez escreveu: “Ao telefone perdeste muito tempo de semear”. Ele é porque não conheceu a internet, que, tanto quanto o celular, usada desregradamente é a grande sorvedora de tempo da pós-modernidade.
Por estas e por outras é que estou pensando seriamente em voltar às cartas, quem sabe ao pergaminho. E a primeira medida é reencontrar o papel carbono.
— Cadê meu papel carbono?
(SANT’ANNA, Affonso Romano de. Tempo de delicadeza. Porto Alegre: L&PM, 2009)
Texto II
Ladainha II
Por que o raciocínio,
os músculos, os ossos?
A automação, ócio dourado.
O cérebro eletrônico, o músculo
mecânico
mais fáceis que um sorriso.
Por que o coração?
O de metal não tornará o homem
mais cordial,
dando-lhe um ritmo extra-corporal?
Por que levantar o braço
para colher o fruto?
A máquina o fará por nós.
Por que labutar no campo, na cidade?
A máquina o fará por nós.
Por que pensar, imaginar?
A máquina o fará por nós.
Por que fazer um poema?
A máquina o fará por nós.
Por que subir a escada de Jacó?
A máquina o fará por nós.
Ó máquina, orai por nós.
(RICARDO, Cassiano. Jeremias sem-chorar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964.)
Texto III
Quando
Quando você me clica,
quando você me conecta, me liga,
quando entra nos meus programas, nas minhas janelas,
quando você me acende, me printa, me encompassa,
me sublinha, me funde e me tria:
meus pensamentos esvoaçam,
meus títulos se põem maiúsculos,
e meu coração troveja!
(CAPPARELLI, Sérgio. 33 ciberpoemas e uma fábula digital. Porto Alegre: L&PM, 2001.)
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